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Lilian Gassen

O olho e a caixa

Breno Hax Jr.

No trabalho de Lilian Gassen, caixa I – uma caixa de um metro quadrado de base por dois metros de altura, que possui em uma das faces uma máscara com o formato do rosto humano, e vazada nos seus supostos olhos, de tal modo que permite ao observador que ele olho e para o interior da caixa – há três elementos centrais: a caixa, o olho e o elemento mediador entre estes, a máscara. O observador é convidado a por o rosto na máscara e olhar. Quando ele faz isso, depara com dois olhos que o olham de dentro da caixa. Isso frustra a sua expectativa de ver o interior da caixa. Quero fazer breves observações sobre estes três elementos.

 

Caixa 1
Lilian Gassen. Caixa I, performance, MDF, tinta PVA e cera de abelha, 200cm x 100cm x 100cm,1999.

 

A caixa é um prisma construído de modo exato. Não há detalhes ou adereços, apenas traços retos e limpos, a encarnação de princípios estéticos absolutamente exatos.

A máscara é a própria mediação entre o olho e a caixa.

O olho não é um signo facilmente dominável. É possível que Lilian não consiga dominar seu significado, assim como é provável que ela não o queira. Uma ampla gama de associações psicológicas e respostas subjetivas pode ser sugerida pela presença do olho. A sua ocorrência como um constituinte do trabalho introduz neste uma dimensão psicológica irredutível. Aqui, conteúdo puramente estético do trabalho é inseparável do seu conteúdo psicológico.

O trabalho de Lilian pode ser posto em analogia a idéia do panótipo de Jeremy Bentham. A alma do olho é a visão e o homem sempre sonhou com a visão absoluta. O panótipo de Bentham seria a realização de um tipo olho que tudo vê, legislador e investigador. O monótipo de Lilian é um instrumento para ver para dentro. Se o panótipo é observatório do todo, o monótipo é um observatório de uma única visão. No panótipo o indivíduo torna-se ele próprio um olho absoluto; no monótipo, o indivíduo acaba por ver apenas o olho. O que se revela não é o mundo, mas a intimidade.

O monótipo comenta com ironia algo sobre o modo como pessoas e intimidade se configuram no mundo contemporâneo. A caixa é um análogo da moradia. O olho que se esconde em seu interior é a intimidade revelada e observadora do mundo exterior. Entendemos a máscara quando nos lembramos da palavra grega que a traduz: persona. A máscara expressa o lugar da personalidade. Esta se situa entre a caixa, o exterior opaco, limpo, geométrico e o olho, a intimidade e o desejo de olhar para fora, de tomar contato. A caixa protege a intimidade, mas cobra a esta o preço do aprisionamento. Entretanto, o comentário que o monótipo faz da situação humana se faz acompanhar de uma tentativa de solução: a máscara é invertida. Ou seja, ela se mostra já como um convite àquele que habita o exterior para que se aproxime e olhe. Assim, a máscara do monótipo subverte a função da máscara – esconder a intimidade – e torna-se um instrumento de reconhecimento.