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Lilian Gassen

Belvedere

Exposiciones Individuales

Alguém poderia dizer que belvedere é um lugar singular para onde se vai quando se quer desfrutar de um vasto panorama. Mas, a partir da posição em que me coloco, Belvedere é a proposta de uma situação privilegiada, na qual se interligam o observador e aquilo que é observado, ambos inscritos em um espaço/tempo apreensível por meio da idéia de deslocamento proposital, ora dos corpos, ora do olhar, ou de ambos simultaneamente. Nesta situação, o observador é um sujeito ativo que pode ocupar várias posições diferentes no espaço em relação a um ou vários pontos de referência fora dele ao longo do tempo. Não há em Belvedere uma posição correta de observar, nem aquele ponto perspectivo para um olhar totalizante e unificado. Na situação provocada por Belvedere o observador se movimenta, o olhar é escaneador e o horizonte é outro em cada um desses deslocamentos. E, a respeito do que se vê desse Belvedere, arrisco descrever articulando desenho, cor e profundidade. No panorama que se apresenta o desenho é fronteira que, ao mesmo tempo delimita e cria laços, no qual a cor ou os cinzas se encarnam e se interligam, de modo que tudo se movimenta para frente e para traz, sem privilégios, com deslocamentos algumas vezes reais, outras vezes ilusórios.   Lilian Gassen     Lilian Gassen: Belvedere   Do OBSERVATÓRIO, exposição realizada em 2004, a artista Lilian Gassen nos convida, em 2009, para adentrar num BELVEDERE. De um laboratório, ou seja, um espaço literalmente interno, nosso olhar é lançado agora para ver e viver um panorama extenso aberto a uma miragem das profundidades de pinturas monumentais em óleo, pinturas em guache e objetos em aço damasco. Mudança de ponto de partida, mas a proposta artística continua: refletir sobre a atividade do olhar num determinado espaço e a relação dessa situação entre trabalhos em diversas linguagens e o observador. Situado em um cenário cheio de movimentações, vibrações, cores e matéria que desafiam, seduzem e desviam incessantemente o olhar, o espectador desfruta de uma maneira lúdica este panorama no local que define para ser seu belvedere. Belvedere neste momento entendido como escolha do lugar diante do trabalho, lugar elevado como num jardim barroco de labirintos onde no meio há um belvedere. Naqueles jardins havia vários caminhos para alcançar o mirante, terraço elevado e único. No Belvedere proposto pela artista se pode buscar várias possibilidades de um lugar com uma bela vista, e mais, os caminhos não são labirínticos, mas sim o que se vê.   Corpos profundos Voluntariamente o primeiro olhar segue para as telas monumentais com suas superfícies em pleno movimento de faixas onduladas e coloridas. Cada faixa obtém sua cor pelo trajeto inteiro de seu caminho, acompanhada com o mesmo movimento por outras faixas coloridas vizinhas. Tendo isso como um ritmo comum, vemos o conjunto das ondas como um fluxus. Contudo, esse continuum coexiste com certa distorção tensionadora, conseguida por meio da diferença de extensão de uma faixa para a outra na curva, ou pela diferença de suas larguras num momento de dobra. É uma superfície fluida desafiando sua profundidade imaginária – resultado da percepção. Cria-se um interior apenas pelo efeito das faixas em fluxo, de modo que a impossibilidade de resistir à profundidade zera o posicionamento demorado na superfície. O encanto do efeito é igual à sucção nos turbilhões. Mesmo assim, diante de nosso olhar temos apenas uma superfície. Ou com palavras de Didi-Huberman, uma pele que avança e recua no seu corpo pictórico. É uma carne maleável, penetrando, mas não rompendo com a carne da tela. Assim, a carne consiste tanto na superfície, que é seu limite para fora, como também na interioridade de sua matéria. Sua matéria plástica, a tinta a óleo é construída por, no caso das pinturas monumentais, três camadas que não aparecem, mas mesmo assim interferem na exterioridade e formam a superfície e sua plasticidade, trama corpórea. Coisa fosca e opaca que se joga para o espectador e revela sua profundidade. O corpo visível se tornou vidente (Merleau-Ponty), criando assim uma proximidade entre corpo e mundo, entre corpo pictórico e observador. O quanto podemos falar de um corpo pictórico é demarcado muito bem pelas bordas das telas: a tinta enquanto pele, superfície do corpo, aparece como pequenas veias cobrindo partes das laterais das grandes telas. Lilian Gassen considera sua pintura não como representação pictórica, mas sim como coisa, constituição de um corpo em arte cuja carne é a premissa para que o olhar seja desviado, oscilando entre superfície e profundidade. Neste trajeto de ida e volta o olhar atravessa a tela e permite a sua expansão. Esta mesma relação recíproca a artista provoca na fruição dos objetos de damasco, metal caldeado, quase fundido. Através de uma operação de corte com jato d’água, o desenho do perfil foi deslocado, resultando em uma separação de figura e fundo apenas por este ato. Modus operandi que lembra o trabalho da Equação (2004) que sofreu igualmente uma separação, mas de forma gráfica como a de uma frase. Nos objetos de damasco, a união entre planos permanece, e apenas com os atos do leve avanço do retrato e do giro do perfil oferecem vários ângulos de observação; num determinado momento, na mesma altura do objeto, a figura some no material e em outros ângulos aparece o fundo branco como contorno, a linha, a priori, não existente. Ambas as linguagens causam sua profundidade através do movimento, ora movimento imaginário, ora movimento real no ato de deslocamento. O movimento gera um espaço, labiríntico ou seqüencial, no qual o espectador pode se situar, quer dizer, escolher sua situação de bello-vedere.   A cor enquanto coisa Todo grande pintor colorista tem a sua paleta, instrumentário fundamental desde o século XV, documentado primeiramente pelo Duque de Burgund, inicialmente não foi pensado para a mistura das tintas, mas só como utensílio apoiador para a hora da pintura. Vasari oferece algumas descrições detalhadas sobre as misturas de cores a óleo na paleta de pintores florentinos, até que a paleta se tornou, durante os séculos, a indicação sobre os tons das cores, por exemplo a “Paleta bem-temperada” (The well-tempered pallete) de um artista. Qual é, então, a paleta de Lilian Gassen? Essa pergunta traz a atenção a uma questão técnica processual que é muito presente em suas pinturas e ajuda na sua compreensão. A jovem pintora não trabalha com uma paleta real, porque por um lado ela utiliza quantidades de tinta para a execução de três camadas e por outro manipula o numero de mais de 100 diferentes cores misturadas que, em ambos os casos, não caberiam numa tabua de madeira. As misturas a partir das cores primárias, após um processo de eliminação de óleo, são guardadas em vidrinhos, sempre conferidas à luz para ver se a cor está no ponto certo. A decisão sobre a aplicação da próxima cor, todavia, depende da faixa ao lado, explorando sempre a relação do universo dos contrastes da teoria da cor, seja este claro-escuro, quente-frio, ou complementar, mas nunca perdendo de vista a tendência do campo atmosférico marcado por uma cor na tela inteira, seja p.ex. uma tendência esverdeada como no trabalho, Pintura 2, ou laranjada na Pintura 4. São as relações das cores e obviamente seus efeitos que criam estas vibrações, mesmo que a cor local contribua para focar o campo atmosférico. Nos objetos de damasco, os dois metais mesclados que produzem os traços em cinzas são originais da arte de forjar espadas, mas nos trabalhos da artista fazem alusão às faixas coloridas da pintura, sendo assim uma espécie de grisaille dos trabalhos em cor, como na obra da Jan Van Eyck. Em mais um ponto Lilian Gassen dialoga intensivamente com a história da cor, quando ela busca o equilíbrio entre o disegno e colore, famoso debate entra as escolas de Florença e Veneza desde o século XVI, que se tornou ponto facultativo nas querelles de anciens e modernes. Nos guaches, como nas pinturas monumentais, o desenho das faixas causam as tensões movimentadas, enquanto a cor é geradora das vibrações óticas, de modo que o desenho e a cor permanecem inseparáveis. Além da cor, cada faixa se diferencia através da textura de pinceladas justapostas ou pinceladas uniformes (Pintura 3 e 2 respectivamente), ambas reforçam a materialidade da tinta nas quebras das luzes, uma por ser mais áspera e outra por ser mais lisa. Elas caracterizam o corpo da pintura. A materialidade da cor é desde as vanguardas russas elemento constitutivo e estético na pintura, de modo que a cor ganhou, paralelamente, além da sua força luminosa um carisma material. Quanto à pergunta da forma ideal da cor, ou a forma mais neutra para que a cor possa se desenvolver livremente, perguntas sistêmicas de artistas norte-americanos como Kenneth Noland e Gene Davis, Lilian Gassen mostra claramente que forma e cor são interdependentes e não podem ser vistas separadamente. Vibrações, ritmo e seqüências demoradas ou súbitas, elásticas ou stacato, lembram os sons da música, pura materialidade de som musical ou tom colorido que representa apenas a si mesmo sem evocar uma orquestração sinfônica ou representativa – horizontes inovadores de ouvir e olhar. É com um olhar muito sensível que Lilian encara este oficio do fenômeno da cor, pois a cor não reveste a tela, ela a encarna pela superfície.   As situações no Belvedere A cultura grega já enlaçava pelos dois fios da linguagem o ver ao pensar: eidos igual a forma ou figura, termo afim de idea. Portanto o espaço que nós vemos, e a forma como se pensa a configuração do espaço, categoria básica do ser humano, é a maneira como vemos o mundo. Tanto o espaço como o tempo não têm existência significativa antes da matéria, uma vez que a semiótica do espaço depende sempre das atividades práticas e de atores historicamente situados. A configuração espacial que Lilian Gassen nos propõe nestes trabalhos, é caracterizada pela ausência de centro e planos hierarquizados, deixando abertas a entrada e a circulação do olhar. O olhar tateia a imagem para percebê-la e o ver é entendido no campo da experiência – uma experiência que não fixa, nem impõe. Nesse sentido, não há uma narrativa sucessiva, apesar do movimento inicial da faixa arcaica (cada pintura começa com uma ou duas faixas) que vai vibrando para as laterais, e na medida em que percorremos esse espaço no tempo percebemos a coexistência destes elementos coloridos. Um confronto temporal entre sucessivo e simultâneo. O espectador se encontra numa experiência do ver e ser visto que se reconstrói a todo o momento novamente, tentando fixar seu olhar numa imagem que não permite a fixação, que nega qualquer configuração autoritária e jamais pretende definir um espaço homogêneo. É essa relação que se constrói entre o trabalho e o observador, superando uma passividade contemplativa, e convidando para que o observador escolha ativamente seu lugar no Belvedere. Experimentando várias situações reveladoras do miradouro – pois, conforme o observador se posiciona, diferentes facetas dos trabalhos vêm à tona – ele traz a ação do olhar para a esfera do sujeito e vivencia possíveis desdobramentos do olhar: considerar (con-sidus) o olhar com maravilha e respeitar (re-spicio), um olhar tomando as devidas distancias.   Stephanie Dahn Batista   Referências: MERLAU-PONTY, O olho e o Espírito, SP: Cosac &Naify, 2007. CAGE, John, Colour and culture, Practice and Meaning from Antiquity to Abstraction. London: Thames and Hudson, 1993. HARVEY, D. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Ed. Loyola, 2003. TUCKER, M. A Estrutura da Cor. In: BATTOCK, G. A Nova Arte. São Paulo: Perspectiva, 1975. DIDI-HUBERMAN, G. O que vemos e o que nos olha. Trad. Paulo Neves, São Paulo: Ed. 34, 1998. NOVAES, A. (Org.) O olhar. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.